Lembro-me da primeira vez que te deixei, como se fosse hoje. Só não recordo o motivo de ter abandonado toda a felicidade que eu sentia e que era projetada por intermédio de lençóis egípcios. Talvez eu quisesse mesmo tentar convencer a mim mesma de que era possível sobrevoar sozinha essa imensidão por onde caminhamos durante seis meses. Seis meses de consolo, de sentimentos nostálgicos e de uma paixão imensurável que sempre acabava fundindo-se com o calor emanado das nossas carnes úmidas. Seis meses que terminaram com a minha última palavra de ordem, naquele dia em que você estava mais lindo do que nunca. Acabou. Acabou tudo e eu não posso mais voltar atrás. Não me auto congratulo por ter decidido o nosso destino, é de meu feitio programá-lo da maneira que acho melhor, você sempre soube disso. Conhecia a minha impulsividade como ninguém, sabia dos meus pontos fracos, era só fazer com que agulha da frustração me picasse e transformasse os meus sonhos em pó. Mesmo eu dizendo que não sonhava, você podia reconhecer a minha mentira só de mergulhar o seu olhar no meu e ver que tudo o que eu mais queria era morrer ao seu lado. Acho que eu gostava de você, e isso era tudo mas não era nada. Desde o momento que adentrei o teu apartamento e senti o seu respectivo cheiro, todas as minhas tensões cessaram de pesar no meu inconsciente e, por um momento, fui tomada pelo mais indolor desejo de me agarrar em seu ombro e chorar, feito a menininha mimada que eu sempre fui. Se tivesse feito isso, poderia, hoje, estar em paz com a minha consciência, te amando novamente e rindo daquilo tudo o que a gente compartilhava com naturalidade. Poderia me isentar da minha pose de bonequinha de luxo, mas nunca deixar o orgulho da minha vida de sibarita. Mas não foi assim. Eu me ceguei, de repente, me desprendi dos braços da serenidade maleável presa aos meus lábios perfeitos e conjuguei todos os verbos que você nunca merecia ter ouvido. Discuti com classe, o olhar magnético, a postura ereta e o coração vazio. Jamais esquecerei do tamanho desconsolo estampado em teus olhos fatigados e do fastio interno que você mostrava desenhado nas entrelinhas da tua face. Foi demais pra mim. Havia cortes minúsculos por todo o meu corpo que doíam na alma. Os meus sussuros planejavam revelar algum vacilo meu, alguma palavra que me fizesse voltar atrás e te beijar como da primeira vez. Fora em vão. O mal já havia sido feito, o pior estava por vir. A lágrima mais quente e pesada nasceu do mar dos seus olhos e despedaçou os restos que jaziam em cima dos meus escarpins. Eu era a pior pessoa do mundo. E nós não existimos mais um pro outro. As fotos nunca reveladas, os mergulhos no Caribe, a felicidade de alguns meses atrás, está tudo sepultado na profundeza mais celeste da minha culpa impotente. Porque eu lembro, como se fosse hoje.