Pura verdade

O meu celular que não toca, suco de morango pela metade, "I'm gonna muster every ounce of confidence I have", meu anel de ouro branco com um diamante em forma de coração, as minhas unhas perfeitamente manicuradas e as palavras que eu ainda não engoli: tédio. Tédio com o que vem junto: os pensamentos velozes e apertados que custam a sumir daqui. Eles não doem, apenas se retificam, o que é pior. Uma folha de papel com as coisas mal ditas que ele deveria ouvir e que, no entanto, nem sequer saberá da existência. A sexta-feira à noite, o céu, essa janela imensa, as cercas da casa me protegendo do mundo. Não precisa fazer sentido, basta existir. Eu existo, logo não necessitam explicações. É simples. Eu poderia ter saído, não fui. Sorte minha, talvez. O que mais angustia é não saber como seria se fosse diferente. Se eu não tivesse encontrado o olhar dele justo naquele dia onde eu vivia os meus extremos. Eu pude ver dois olhos trancafiados e acesos, mas isentos de qualquer legenda. É isso. O mistério nos agoniza, e isso é mau. Esse mistério lascivo de não saber, de temer o desconhecido, de dormir e sonhar e acordar e chorar. De olhar as pessoas, as vitrines, a carta de bebidas, as cores do mundo, o pôr do sol. Esse turbilhão de dúvidas à flor da pele, quente e pesado. As músicas que eu ainda não ouvi, os lugares que ainda não visitei, os sapatos organizados nas vitrines esperando para que eu os compre, os pensamentos dele que eu nunca vou desvendar... Todos esses pontos de interrogação no fim das minhas frases incompletas, a minha realidade que dói a vocês, o meu jeito intransitivo, tudo vos angustia. Tudo nos angustia. Não é triste, é pura verdade.